segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Ocorrência régia: um rei-dos-arenques



Um peixe rei-dos arenques foi apanhado vivo (Foto 1), utilizando um camaroeiro, no dia 16 de abril de 2014, por Miguel Carvão. O peixe encontrava-se desorientado à superfície dentro da marina da Horta perto do edifício do Clube Naval. Após a captura foi transportado para o aquário de Porto Pim, onde acabou por não sobreviver, sendo entregue para a coleção biológica do DOP-UAç.
A identificação deste peixe acabou por se revelar uma tarefa difícil.

Dados do exemplar:

Este exemplar era um juvenil com 18,8 cm de comprimento furcal e 26,7 cm de comprimento total (incluindo o comprimento da barbatana caudal) e com aproximadamente 22 g de peso húmido. O eixo longitudinal do corpo é horizontal (sem curvatura). A zona mais alta do corpo situa-se na zona frontal (primeiro quarto) e o ânus situa-se pouco atrás da linha mediana do corpo. A coloração do corpo é prateada com manchas negras nos flancos, três na zona dorsal e uma na zona ventral (Foto 2). As barbatanas são finas e rosadas, tendo a dorsal 133 raios, embora pudessem haver mais alguns que se degradaram e não puderam ser contados.
A forma peculiar do corpo e das barbatanas do rei-dos arenques permitiu classificá-lo como pertencente à Familia Trachipteridae e ao género Trachipterus.

Foto 1 – O rei-dos-arenques dentro do recipiente de transporte.


Ocorrências anteriores:

Nos Açores é conhecida uma espécie de rei-dos-arenques, Trachipterus trachypterus (Whitehead, 1986; Santos et al, 2001; Borges et al, 2010). Contudo, na zona este do Atlântico Norte, ocorre outra espécie bastante semelhante, T. arcticus (Figueiredo et al., 2007).
Na coleção de referência biológica do DOP-UAc há um exemplar juvenil de T. articus, ligeiramente maior (ref. DOP-3807 – coluna com 100 vértebras), mas com características morfológicas idênticas à do indivíduo mais recente. Assim, pelas evidências recolhidas o novo indivíduo integra-se também na espécie T. articus.

Foto 2- Rei-dos-arenques apanhado em 16-04-2014.


Curiosidades:

Os reis-dos-arenques têm um corpo muito estreito e longo, que nos exemplares adultos pode chegar aos 3 m de comprimento. Assemelham-se muito a outros peixes muito longos, como o Regalecus glesne que pode chegar aos 7 m de comprimento, e pensa estarem na origem das antigas descrições de serpentes marinhas gigantes.
Apesar do seu tamanho estas espécies não têm interesse económico.

Biologia:

Os reis-dos-arenques são peixes pelágicos que vivem no oceano aberto, longe das costas e em profundidades abaixo dos 300 m. Pensa-se que sejam animais solitários mas que de tempos a tempos formam grandes cardumes, provavelmente para a reprodução, alimentação ou outra razão desconhecida. São caçadores oportunistas que atacam presas que passem demasiado perto. Apesar dos dentes serem muito pequenos, a boca é muito extensível e cria um grande poder de sucção, que lhe permite capturar pequenos peixes e lulas. Não há praticamente informações sobre o seu ciclo vida, reprodução e comportamento.

Para saber mais:

- Características diagnosticantes dos Trachipterus no AtIântico Norte:

Trachipterus arcticus: Eixo do corpo direito, possui 150-190 raios na barbatana dorsal, a altura do corpo (distância entre a margem dorsal e ventral) maior no primeiro quarto a um terço do corpo (Whitehead, 1986), o ânus situa-se ligeiramente atrás do meio do corpo (Albuquerque, 1956) e apresenta 1-5 pontos negros que desaparecem nos indivíduos maiores (Whitehead, 1986). O número de vértebras varia entre 99-102 (Albuquerque, 1956). 

Trachipterus trachypterus: Eixo do corpo curvado para cima na zona posterior da cauda nos adultos (linear nos juvenis), possui 145-185 raio na barbatana dorsal, a altura do corpo é maior imediatamente atrás da cabeça (Whitehead, 1986). O ânus encontra-se antes do meio do corpo (Albuquerque, 1956) e apresenta 1-4 pontos negros ao longo da linha lateral e 1-2 pontos negros na zona ventral. O número de vértebras varia entre 84-96 (Heemstra & Kannemeyer, 1984)

Bibliografia:

Albuquerque, R.M. (1956). Peixes de Portugal e Ilhas adjacentes. Chaves para a sua determinação. Portugaliae Acta Biológica, 5, 1–1164
Borges, P. A. V. et al., (Eds.). (2010). A List of the Terrestrial and Marine Biota from the Azores. Princípia, Cascais, 432 pp.
Figueiredo, I. et al. (2007). Identification of Trachipterus in the north-eastern Atlantic. JMBA2 - Biodiversity Records. Published on-line.
Heemstra, P. C. & Kannemeyer, S. X. (1984). The families Trachipteridae and Radiicephalidae (Pisces, Lampriformes) and a new species of Zu from South Africa. Annals of the South African Museum, 94, 13–39.
Santos, R. S. et al. (2001). Marine Fishes of the Azores: Annotated checklist and bibliography. Arquipélago – Life and Marine Sciences. Supplement 1, Universidade dos Açores, Ponta Delgada, 244 pp.
Whitehead, P. J. P. et al., (Eds.). (1985). Fishes of the North-eastern Atlantic and the Mediterranian. Paris: UNESCO. 403 pp.
           

Agradecimentos:

Ao aquário de Porto Pim, nomeadamente, ao seu representante António Godinho.
Ao Miguel Carvão pela cedência da sua captura.
Ao técnico Rui Gregório do centro de Saúde da Horta que permitiu fazer a contagem das vértebras.